Cobrança judicial de multas aplicadas por Tribunal de Contas

Compete aos tribunais de contas a fiscalização de todos aqueles que lidam com o patrimônio público. Esses órgãos exercem competência próxima da jurisdicional (judicialiforme/quase judicial) e podem, no exercício de sua competência, aplicar diversas sanções. Destaca-se, entre elas, a multa, sanção expressamente prevista no art. 71, inc. VIII, da Constituição Federal.

No âmbito federal, a Lei 8.443/92, Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (TCU), dispõe sobre os casos em que é possível a aplicação de multas. As sanções pecuniárias podem decorrer não apenas de dano causado ao erário, mas, também, por exemplo, de contas julgadas irregulares de que não resulte débito ou quando ocorrer reincidência no descumprimento de determinação do TCU. As disposições acerca das sanções encontram-se entre os arts. 57 e 61 da Lei 8.443/92.

Há divergência quanto ao rito que deve ser utilizado para a execução das multas aplicadas pelo TCU. Em linhas gerais, admitem-se duas opções: 1 – a execução da multa pelo rito do CPC aplicável à execução de título executivo extrajudicial; 2 – execução da multa pelo rito da execução fiscal (Lei 6.830/80).

Exemplificando as opiniões acima, vejamos os seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ACÓRDÃO DO TCU. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. 1. Nos termos do artigo 23, III, “b” da Lei n° 8.443/92, o acórdão do Tribunal de Contas da União constitui título executivo bastante para cobrança judicial da dívida decorrente do débito ou da multa, se não recolhida no prazo pelo responsável. Desse modo, não há necessidade de inscrição por Termo de Dívida Ativa para obter-se a respectiva Certidão prevista na Lei de Execução Fiscal, ensejando ação de cobrança por quantia certa. 2. Recurso especial não provido. (RESP 200801099787, SEGUNDA TURMA, DJE DATA:23/10/2008)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – ACÓRDÃO DO TCU – COMPETÊNCIA – VARA DE EXCUÇÃO FISCAL – PRECEDENTES – PROVIMENTO 1. Trata-se de embargos de declaração opostos contra o acórdão que negou provimento à apelação, mantendo a improcedência dos embargos opostos em face de execução extrajudicial relativa a acórdão proferido pelo Tribunal de Contas da União. 2. Os embargos de declaração são cabíveis quando verificada a ocorrência, na decisão impugnada, de qualquer dos vícios constantes dos incisos I e II, do artigo 535, do CPC (obscuridade, contradição, omissão e, por construção pretoriana integrativa, a hipótese de erro material), ou quando for omitido ponto sobre o qual deveria pronunciar-se o juiz ou tribunal, não sendo este recurso meio hábil ao reexame da causa. 3. Os acórdãos do Tribunal de Contas das quais resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de titulo executivo extrajudicial (art. 71, §3º da CRFB/88). A decisão proferida pelo TCU da qual resulte imputação de débito ou multa independe de inscrição em dívida ativa para ser executada, porquanto a sua natureza de título executivo extrajudicial deriva da própria Carta Política. 4. Todavia, o fato de dispensar a inscrição não faz com que tais valores percam a sua natureza de dívida ativa da União, cobradas segundo o procedimento estabelecido pela Lei nº 6.830/80 e através de execução de titulo extrajudicial processada e julgada por Juízo da Execução Fiscal. Precedentes deste Tribunal: CC 2009.02.01.016977-4, Des. Fed. Guilherme Couto, 11/12/2009; CC 2009.02.01.011068-8, Des. Fed. Raldênio Bonifácio Costa, 14/10/2009; CC 2008.02.01.015826-7, Des. Fed. Tania Heine, 28/09/2009). 5. Considerando que a doutrina e a jurisprudência admitem o uso de embargos de declaração, com efeito infringente do julgado, quando seja manifesto o equívoco do julgador e não exista no sistema legal outro recurso para a correção do erro cometido, deve ser conferido ao presente recurso o efeito infringente para reformar o acórdão embargado. 6. Anulados todos os atos processuais, com o retorno dos autos à primeira instância e redistribuição a uma das Varas de Execução Fiscal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. 7. Embargos de Declaração conhecidos e providos. (AC 200351010206989, Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, TRF2 – SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data::17/12/2010 – Página: 239/240)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DE MULTA APLICADA EM ACÓRDÃO DO TCU. ART. 71, PARÁGRAFO 3º, DA CF/88. NÃO INSCRIÇÃO NA DÍVIDA ATIVA. JULGAMENTO NA VARA FEDERAL DE COMPETÊNCIA COMUM. RITO DO ART. 652 E SS DO CPC. 1 – Conflito negativo de competência entre Vara Federal de competência comum e Vara Federal de Competência Especializada para julgamento de ação de execução de título executivo, obtido com base em acórdão do TCU. 2 – As decisões do tribunal de Contas da União, das quais resultem imputação de multa, têm eficácia de título executivo, conforme prevê o art. 71, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988. Logo, não é necessária, embora não haja qualquer vedação, a inscrição na Dívida Ativa da União para que a referida multa seja objeto de processo de execução. 3 – Caso seja feita a opção pela não inscrição dos referidos créditos não-tributários, eles não poderão ser perseguidos através de execução fiscal, devendo, portanto, serem executados na forma do art. 652 e ss do Código de Processo Civil, perante o Juízo Federal de competência comum. Precedentes. 4 – Conflito de competência conhecido, declarando-se competente para julgar a ação o juízo da 21ª Vara Federal/PE, o suscitado. (CC 00014167020134050000, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 – Pleno, DJE – Data::21/05/2013 – Página: 143)

Entendemos, seguindo a linha do último julgado apresentado, que a inscrição em dívida ativa da multa é possível, hipótese em que a execução seguirá o procedimento da execução fiscal. Por outro lado, não sendo realizada esta inscrição, a multa será cobrada diretamente pelo rito ordenado pelo CPC.

Outra divergência, mais acentuada, diz respeito à atribuição para a cobrança judicial dessas multas, notadamente quando os tribunais de contas estaduais promovem a condenação por questões ligadas exclusivamente aos municípios.

O STJ vem decidindo no sentido de que a legitimidade para a cobrança judicial destes créditos é do ente estatal que mantém a corte de contas. Neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE MULTA IMPOSTA A EX-PREFEITO MUNICIPAL PELO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. LEGITIMIDADE DO ESTADO PARA AJUIZAR A COBRANÇA. NOVEL ENTENDIMENTO FIRMADO NA PRIMEIRA SEÇÃO DESTA CORTE – EAG N. 1.138.822/RS. 1. Esta Corte Superior, por meio do EAg 1.138.822 / RS, firmou o entendimento de que a legitimidade para cobrar os créditos referentes a multas aplicadas por Tribunal de Contas é do ente público que mantém a referida Corte, no caso, o Estado do Rio de Janeiro.2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1322244/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 22/11/2012)

O STF, por outro lado, recentemente noticiou decisão em sentido diverso. Decidiu essa corte que o crédito pertence ao ente público prejudicado, cabendo a ele a cobrança da multa. Consta no informativo 711 (junho/2013) a seguinte decisão:

O estado-membro não tem legitimidade para promover execução judicial para cobrança de multa imposta por Tribunal de Contas estadual à autoridade municipal, uma vez que a titularidade do crédito é do próprio ente público prejudicado, a quem compete a cobrança, por meio de seus representantes judiciais. Com base nessa orientação, a 1ª Turma negou provimento a agravo regimental em recurso extraordinário, no qual se discutia a legitimidade ad causam de município para execução de multa que lhe fora aplicada. O Min. Dias Toffoli destacou que, na omissão da municipalidade nessa execução, o Ministério Público poderia atuar. (RE 580943 AgR/AC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18.6.2013. (RE-580943)

A razão parece estar com o STJ, uma vez que as multas aplicadas pelo tribunais de contas não se confundem com o ressarcimento ao erário. O valor das multas administrativas, na falta de disposição legal específica, deve favorecer o ente a que pertence o órgão sancionador.

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